segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Confissões.

Querido,
Não sei nem pelo que te chamar. Nas cartas antigas era sempre Meu querido, Querido amor... Que eu fico até sem graça de te escrever agora. Mas sinto que preciso. Não nos falamos desde o acidente e isso já faz cinco anos, do qual o primeiro ano eu passei no hospital e você na prisão. É, parece que tudo foi meio difícil pra nós dois depois daquele erro. Não pense que por não me comunicar com você ou não tentar fazer nada significa que eu não sabia do teu paradeiro. Você era a principal notícia dos jornais. Obrigada por fazer tudo parecer um acidente. Ou eu poderia estar morta agora. Você pagou pelo erro de nós dois, eu entendo que não devia ter deixado isso acontecer. Mas tudo foi rápido demais. Desculpe. Eramos jovens e eu não tinha noção do que fazer. Chamo de sorte eles terem achado o carro em chamas perto da casa dos Close's. Sorte por ser depois de termos queimado a casa e eles não encontrarem nossas digitais em nenhum lugar por perto, sorte por a arma estar na tua mão ainda e eu ter um tiro na perna. Tudo fez sentido pra eles, como se você tivesse me acertado. Eu me lembro de tudo. De termos matado a Sra. Close sufocada no saco de lixo, do tiro que eu levei na perna do Sr. Close enquanto eu derramava gasolina pelos quartos, da curva acentuada que você fez enquanto brigávamos no carro. Do capotes que ele deu, de segurar tua mão antes de fechar os olhos e de pensar em como estaria Bennie em casa, de pensar que nunca mais voltaríamos pra casa. Lembro de ouvir o galão de gasolina caindo no banco de trás e gritar com você por isso. Houve muitos erros ali, eu sei. Mas eu queria dizer que... Passou, como tudo passa. A gente só tinha vinte anos, Bennie tinha acabado de nascer e faltava dinheiro em casa. Foi o jeito mais rápido de arrumar dinheiro e estava funcionando. Desculpa se estraguei tudo. Dei com a língua nos dentes pra minha mãe e o assunto das drogas foi parar na policia. Foi ali que tudo começou a dar errado. Eu assumi que as drogas eram minhas e fiquei seis meses na prisão por isso. Mas eles não nos parariam tão fácil. Ali dentro foi simples arrumar novos contatos ou compradores. Então depois daqueles meses a grana veio tão fácil como saiu. A gente lucrava pra comprar mais Spedd. Aí um outro erro. A gente devia ter parado. Mas eu não estou aqui para falar onde erramos. A verdade é que vi uma foto nossa enquanto arrumava minha vida e deu saudade. É, tudo passa mas a saudade não passou. Apesar de tudo, nós nos amávamos e tudo dava certo quando estávamos juntos. Eu não sei se você ainda verifica esse esconderijo, mas eu venho aqui todos os dias. Era onde trocávamos as drogas, e vou deixar essa carta porque preciso que saibas que até voltaria a antiga vida por você. Sinto muito pelos péssimos cinco anos. (Pelo menos pra mim foram.) Preferia não ter achado essa foto e ter deixado nossa velha história enterrada, mas que seja sorte como foi no acidente com o carro. Que seja sorte e você ache essa carta. O Bennie já tem 6 anos agora e fiquei sabendo que ele foi para o orfanato. Será melhor para ele lá, do que ter pais presos ou com esse nosso histórico. O que interessa agora é que aquela época passou, tudo passa. Mas algo em tudo que passa, fica. E a única coisa que ficou foi a nostalgia de não ter mais aquela vida, que apesar de tudo era o que eu mais gostava. Assim, me despeço de você, com essa saudade enorme e na esperança de te ver de novo.

Desculpas, Annie.




Pauta para 76ª Edição Cartas do Bloínquês.

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